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Da relação entre Mario Kart 8 e pão com manteiga
Por Marcellus Vinícius Publicado em 2 de abril de 2021
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Nunca esqueço do Bongô avaliando o pão com manteiga.

Se a frase acima não te diz nada, me refiro a um episódio específico de Castelo Rá-tim-bum, premiado programa infantil dos anos 90 que mistura bruxaria, ratos tomando banho e aquele cara que hoje fala de futebol da ESPN. No episódio em questão rolou um concurso de sanduíches no castelo e o Bongô, carismático entregador de pizza, era o jurado.

No meio de trocentos lanches mirabolantes e cheios de firula, o vencedor foi o pão com manteiga. A mensagem do episódio para as crianças era clara: devemos dar mais valor à simplicidade ante os engodos supérfluos de fast-food, algo que entendo e apoio. O que eu não entendia era o processo de crítica adotado pelo nosso amigo Bongô. Um pão com manteiga é algo tão trivial no nosso cotidiano que se torna estranho analisá-lo isoladamente. Ora um pão com manteiga é um pão com manteiga, ponto.

E Mario Kart é Mario Kart.

É por isso mesmo que quando liguei meu Wii U (poucos sabem da existência, mas um console de mesa da Nintendo lançado em 2012) para jogar Mario Kart 8 pela primeira vez, não me sentia como se estivesse parando pra conferir um jogo novo. É Mario Kart, sabe? Campeonatos divididos em cilindradas, um modo battle fazendo figuração, multiplayer zuera com a galera. A gente sabe o que esperar da série. E, de fato, o que encontrei enquanto jogava foi a mesma e consagrada fórmula que já nos acompanha há duas décadas. Mas, puta merda, de repente parecia que havia algo além acontecendo ali na minha TV…

Não sei dizer exatamente quando aconteceu, mas certamente foi por algum detalhezinho aleatório. Posso citar como exemplo desses tais detalhes a pista Shy Guy Falls. Além da cachoeira citada no nome, ela tem uma área de túneis e grutas onde vários Shy Guys constroem trilhos e mineram pedras preciosas. No momento em que você está passando pelos pontos onde eles estão trabalhando surge um som ritmado, como picareta batendo em metal, que complementa a trilha sonora. Esse som, mantendo a lógica da pista, desaparece assim que seu kart se afasta dessas regiões.

Pensa comigo o seguinte: por que caralhos alguém faria isso? Não, serio mesmo, POR QUÊ? Você imagina algum jogador ou site especializado reclamando da falta de um detalhe assim? Acha que apareceria um review dizendo“infelizmente o jogo peca por não remeter ao trabalho dos Shy Guys mineradores nos 4 ou 5 segundos em que seu kart passa por ali”? E esse foi apenas um exemplo de dezenas. O jogo todo está inundado de uma atenção quase doentia a detalhes e pequenas adições que provavelmente ninguém teria como sentir falta se não estivessem ali.

Mas estão, e cada nova minúcia percebida tem o poder de te fazer abrir um sorriso espontâneo. Talvez por entender esses detalhes praticamente como um presente: não há razão para eles existirem que não a de tornar a experiência do jogador mais agradável.

Porque ela é agradável, e por vários fatores além desse. A experiência é muito mais redonda do que a obtida, por exemplo, em Mario Kart Wii e Mario Kart 7. Não que eu tenha desgostado desses últimos jogos, mas é mais ou menos aquilo que eu disse no começo: eles seguiam uma fórmula que nunca teve muito como dar errado, às vezes ignorando a possibilidade de dar mais certo ainda.

Mario Kart 8 se esforça para não ser só mais um e demonstra ter consciência do que precisava ser aprimorado. Acabou aquela sensação de estar no meio de um ataque soviético de cascos azuis onde você parecia não ter controle de nada, onde o acaso cagava em cima de qualquer tentativa de jogar bem. Ainda existe, claro, a zuera e pancadaria características, mas em uma dosagem bem melhor planejada pra não correr o risco de se tornar frustrante demais.

Um exemplo significativo que ilustra bem esse rebalanceamento é que agora os caralhentos cascos azuis estão bem mais raros. Não só isso, mas existe também um novo item de defesa (igualmente raro) capaz de destrui-los no momento em que se aproximam. É um toque singelo, e ainda depende muito de sorte, mas basta para que o jogador sinta que as suas decisões importam, que não está à mercê da putaria generalizada de cogumelos, dinossauros e encanadores que celebram diabolicamente a sua tragédia.

A adição do hover nos karts, que a princípio parecia um firulinha redundante e superficial, na prática acaba criando um dinamismo bem interessante. O design das pistas procura sempre encontrar soluções para incorporar as áreas antigravitacionais de forma orgânica dentro de cada tema, e é bem foda reparar na forma como se dão essas transições. Essas áreas ainda vão além da estética por interferir também no gameplay, mudando a forma como os karts colidem uns nos outros e trazendo novas maneiras de impulsionar sua velocidade com turbos. .

E eu não poderia ficar sem falar de como esse jogo é bonito. Já dava pra notar em fotos e vídeos bem antes do lançamento, mas caralho, mesmo assim surpreende ao ver o troço rodando na sua frente. E nem é nada do tipo “omg a nova geração chegou”. A beleza de Mario Kart 8 não vem de saltos tecnológicos. Ela não faz você pensar no Wii U como “potente”, não o glorifica enquanto hardware. Esse primor visual é direção de arte, esmero, aquela já citada atenção doentia a detalhes que fazem com que as pistas e personagens pareçam respirar, ter vida própria.

É por isso que eu acho que o rebuliço que rolou em cima do Luigi death stare não foi acidental. Não foi uma piada tirada do cu pela juventude internauta, como aconteceu por exemplo com a flecha no joelho de Skyrim. Quis a Nintendo que cada personagem fosse extremamente expressivo e tivesse reações únicas. O marketing indireto que esse ~meme~ gerou é recompensa pela dedicação empregada aqui.

Entendo, Cellus, mas não tá meio passional isso não? Você tá querendo me dizer que o jogo é tecnicamente perfeito?

Leitor imaginário que coincidentemente teve a exata dúvida que faria esse texto caminhar

Não. As opções de interação e planejamento de partidas no modo online são bastante limitadas; o modo de batalha é provavelmente o mais fraquinho da série e, acima de tudo, eu não entendi até agora o que caralhos é Pink Gold Peach (?!?). Mas se houver mesmo, num plano metafísico e platônico, um Mario Kart definitivo a ser almejado, essa versão de Wii U é a que mais se aproxima desse ideal.

E agora, finalmente, eu consigo entender o Bongô. Mario Kart 8 veio para mostrar que não é por que passamos a vida nos entupindo de milhares de pães com manteiga que eles devem ser todos iguais. Há de vir um com a casquinha mais crocante, o miolo mais macio, a quantidade exata de manteiga, dessa vez caseira de Minas, até com uma pitada sutil de orégano. Talvez esse seja o sanduíche campeão afinal.

Espero que você tenha sorte e consiga saboreá-lo em paz, sem muitos cascos azuis te atrapalhando no processo.

Texto originalmente publicado em junho de 2014 no GAMESFODA

Mario Kart Nintendo Wii U


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