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Death's Door: três portas, um só caminho
Por Marcellus Vinícius Publicado em 14 de junho de 2022
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Há uma porta que representa a passagem final de todas as formas de vida, e talvez exista uma forma de abrí-la.

Assim como a frase acima, Death’s Door não precisa de muito para despertar sua curiosidade. O novo jogo do estúdio britânico Acid Nerve, conhecido pelo sucesso de Titan Souls (2015), já havia chamado atenção só pelo que seu primeiro trailer nos apresentou.

Nele víamos um corvo espadachim que trabalha como mensageiro da morte em um escritório todo em preto e branco, em uma estética visivelmente inspirada em filmes noir. A ação do jogo remetia a princípio ao gênero roguelike, como o aclamado Hades, e mostrava também elementos de exploração típicos da série The Legend of Zelda.

Mas seria Death’s Door simplesmente isso, um sopão de boas referências? Ou há algo nele de especial que é maior do que a soma dos elementos que o inspiraram?

Para responder isso, precisaremos abrir algumas portas. Cada uma delas nos leva a um lugar diferente: ao passado do estúdio, às influências externas e, por fim, a uma reflexão sobre a nossa própria finitude.

Primeira Porta: o legado de Titan Souls

É importante saber que a ideia de Titan Souls, o primeiro sucesso da Acid Nerve, nasceu em uma game jam. Isso significa que a primeira versão do jogo foi feita em uma competição onde os desenvolvedores tiveram apenas dois dias para começar e concluir o projeto dentro de um tema específico. Por conta dessa limitação, o resultado é um jogo bem minimalista, mas isso não significa que ele seja raso.

O que acontece é o oposto: como Titan Souls não teve tempo de explorar muitas ideias diferentes, ele se aprofunda tanto quanto pode em uma única proposta para extrair dela o máximo de possibilidades. No caso, a sacada era que o protagonista contava apenas com uma única flecha e precisava encontrar meios de usá-la e reutilizá-la para vencer batalhas contra vários chefes gigantes.

Em Death’s Door, os criadores não precisaram partir dessa limitação de tempo – pelo contrário, o desenvolvimento tomou anos. Mas foi herdada da experiência de Titan Souls a filosofia de polir e explorar cada nova mecânica do jogo. São várias ideias, armas, inimigos e obstáculos, e tudo parece dançar em um ritmo e sintonia ideais para proporcionar uma experiência de jogo gratificante e requintada, desafiadora sem se tornar frustrante.

Entender esse legado é entender também o amadurecimento do trabalho do estúdio. Mas Titan Souls não é, de forma alguma, a única obra do passado a deixar uma marca visível em Death’s Door.

Segunda Porta: transcendendo as próprias inspirações

Pouco mais de uma semana antes do lançamento, a conta oficial da Acid Nerve disse em um tweet que Death’s Door não é um roguelike. Por mais imprecisa que a definição desse gênero possa ser, dá pra observar no jogo algumas decisões que de fato o afastam da fórmula de jogos considerados referências recentes do gênero, como por exemplo Hades, Dead Cells e Rogue Legacy.

Pra começar, as fases de Death’s Door não são procedurais, ou seja, não são geradas aleatoriamente a cada nova tentativa. Isso dá aos desenvolvedores um controle muito maior sobre como se dará a exploração e também sobre o ritmo em que a história vai se desvendando. Digo isso porque explorar o mundo do jogo e conhecer os detalhes do seu enredo são coisas que andam em conjunto aqui. Nesse sentido, a menção mais justa seria a títulos como Hollow Knight e Hyper Light Drifter.

Como já citado, a admiração por Zelda teve um papel fundamental também. As situações de combate dividem espaço com muitos quebra-cabeças que exigem de você um entendimento do ambiente à sua volta e de como ele pode interagir com as armas à sua disposição para conseguir abrir caminho. As habilidades que você consegue durante a exploração te ajudam não apenas a chegar a novos lugares na trama principal, mas também a encontrar segredos, desafios opcionais e itens colecionáveis.

Além da estética noir e dos jogos favoritos dos seus criadores, Death’s Door busca inspiração também em outras mídias e linguagens. As animações do estúdio Ghibli em particular parecem ter exercido bastante influência na direção de arte e na caracterização de alguns dos personagens do jogo – espere só até encontrar a bruxa viciada em vasos e panelas.

Essas referências pavimentam o caminho que o jogo se propõe a trilhar, mas jamais roubam o protagonismo e impedem que Death’s Door tenha identidade própria. Isso porque sua personalidade e singularidade surgem principalmente da forma como equilibra suas inspirações estéticas com os temas que procura discutir.

Terceira porta: falando de morte em tempos sombrios

É tarefa delicada abordar a morte como tema central de uma obra em tempos de luto constante como os que vivemos atualmente. A forma como Death’s Door trata isso é, nas palavras dos próprios desenvolvedores, genuinamente britânica: usar humor para suavizar tópicos sombrios. Mas o jogo vai além na sua temática e se empenha para transmitir uma visão bastante acolhedora não apenas sobre a vida, mas também sobre a finitude.

Esse equilíbrio entre o macabro e o fofinho é algo que acompanha a experiência do jogo de diversas maneiras. O clima opressor dos inimigos que você está caçando e da própria natureza da sua missão contrasta com o abraço quentinho que o jogo te dá em sua trilha sonora, sua direção de arte, na gentileza dos aliados com os quais vai interagindo pelo caminho. Ao longo da experiência vamos da melancolia ao aconchego, da adrenalina à contemplação, de maneiras que só reforçam a mensagem desejada dentro de um tema tão delicado.

Havia sim o risco do jogo discutir isso de forma desastrada e desrespeitosa, ainda mais considerando que seu desenvolvimento já se encontrava em estágio bastante avançado no começo de 2020, quando a pandemia de covid-19 se espalhou pelo mundo. No entanto, o que acontece é o exato oposto: é justamente o momento que torna a mensagem de Death’s Door tão tocante e pertinente.

O melhor jogo de corvo espadachim de todos os tempos?

Death’s Door é especial. Se crítica e público lhe fizerem justiça, será lembrado como um dos mais memoráveis jogos de 2021. Não apenas isso, mas há nele um temperinho caseiro e único capaz de colocá-lo em uma prateleira pomposa, lado a lado com alguns dos melhores representantes do seu gênero.

Mas antes de ser isso tudo, ele é essencialmente um convite. Uma porta que se abre para entrar em contato com referências que marcaram a história dos seus criadores, e que passeiam por vários personagens, ambientes e desafios com o intuito de contar uma história. Uma história que, por tratar de finitude, trata também de todos nós.

E portas como essa, uma vez abertas, nunca mais se fecham.

Texto originalmente publicado em julho de 2021 no START UOL


Death’s Door

Desenvolvimento: Acid Nerve
Distribuição: Devolver Digital
Plataforma: PC, Playstation, Xbox e Switch
Onde encontrar: Lojas no site oficial


Acid Nerve Indie


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